A tecnologia ligou nossas relações de trabalho com nossa vida pessoal, e isso pode não ser um bom negócio
Por Thiago Tifaldi
Se você tiver nascido há duas décadas, ou estiver na casa dos vinte e poucos anos, talvez não se surpreenda tanto como a tecnologia da informação e comunicação social impactou o mundo do trabalho. É claro, os anos de pandemia de covid-19 funcionaram como verdadeiros aceleradores dessas mudanças, catalisadores de processos que já discutimos nessa coluna, como a proposta de trabalho 4dayweek, ou mesmo da prestação de teletrabalho, ou trabalho remoto, o conhecido home office.
Antes disso, sequer se falava regime híbrido, ou mesmo de bringyourown device (byod), pois a telefonia celular não havia se desenvolvido tanto a ponto de miniaturizar muitas das mais simples tarefas num smartphone e hoje podermos ter uma rotina online/offline de trabalho, por vezes conciliando a vida pessoal com a profissional.
Uma das primeiras experiências que tive com tecnologia de informação e comunicação social aliada ao trabalho foi com o siga-me, possibilidade de levar a telefonia do escritório comigo onde quer que fosse. O ano era 2010, eu havia acabado de me tornar bacharel em direito, aguardando a divulgação do calendário do exame de ordem da OAB para poder exercer a profissão de advogado regularmente inscrito.
Como a rotina de trabalho à época me permitia certa flexibilidade, consegui agendar uma dessas aulas de revisão para a primeira fase do exame de ordem. Os aulões ainda eram presenciais, geralmente organizados num auditório ou equivalente que pudesse acomodar multidões.
Não havia tecnologia o suficiente para a transmissão simultânea via internet, nem era tão popularizado o ensino à distância (ead), mas era o que tinha à disposição de mais avançado para qualquer candidato em reta final de preparação para exame de ordem, concursos públicos. Um evento: aula show, professores cativantes, muita descontração e conteúdo cuidadosamente selecionado e cronometrado para proporcionar alto rendimento em prova.
Só que eu havia esquecido de desligar meu celular, aquele celular pessoal com o siga-me. O chefe ligou, o celular tocou, e aquele dia que seria dedicado à revisão teve de ser abreviado para dar conta de uma reunião de alinhamento (follow up). E essa foi a primeira lição que a vida profissional me trouxe sobre a desconexão!
Mesmo que hoje seja obsoleta, a tecnologia do siga-me continua embarcada em nossas relações de trabalho e emprego, e pode estar ou no celular ou no notebook da firma, ou ainda, em suas redes sociais de seus próprios e pessoais gadgets.
Aproximadamente dez anos após a primeira lição sobre desconexão, tive outro aprendizado prático sobre a importância (e necessidade) de me desconectar do trabalho. Era comum voltar para casa do escritório e ser bombardeado por mensagens, áudios, e outros documentos em word ou pdf, intercalados com emojis, em pleno itinerário de retorno (teoricamente) após o expediente.
A questão ia se tornando cada vez mais preocupante, pois a rede social (WhatsApp) era minha! Assim como a capacidade de armazenamento do meu aparelho era minha! Não poderia simplesmente desligar o aparelho, ou me desconectar do trabalho sem que me desconectasse da minha vida pessoal, dos amigos e dos familiares, ou mesmo daquilo que habitualmente fazia em desconexão para casa, como ouvir música, ler notícias, conversar com quem quisesse.
Nesse caso, o primeiro a não aguentar foi meu próprio aparelho. Em menos de dois meses de trabalho neste escritório de advocacia, a capacidade de armazenamento dele já estava praticamente esgotada. E como o método de entrar em modo avião ou de desligar o celular já não estava mais funcionando, resolvi apelar.
Numa dessas diligências em que se torna necessário tirar foto de documento, recebi todo o tipo de reclamação da chefia quanto à nitidez das fotos de meu aparelho, da necessidade de refazê-las. Ocasião em que pude expressar a mera liberalidade em colocar meu aparelho celular, bem assim os meus dados, à disposição do escritório para o cumprimento daquela demanda, de quebra um pedido de aumento salarial emendado ao reconhecimento pelo esforço, já que o aparelho realmente não era dos mais modernos e atuais em relação à quantidade de pixels ou resolução de imagem.
De volta ao escritório, e cobrado pelas fotografias em baixa resolução, com certo tom de galhofa pela malfadada diligência, relembrei ao empregador da ocasião a ausência de contratação ou cláusula que mencionasse se o trabalho desempenhado seria bringyourown device (byod). Como era uma banca com foco em direito do trabalho, a questão se resolveu com silêncio eloquente e a redesignação de estagiário para a execução da tarefa, desta vez com o celular do dono do escritório.
Continuei a receber alguns áudios, mensagens, documentos e emojis intercalados em mensagens de WhatsApp na volta, não mais com a mesma intensidade de outrora.
Voltarei ao tema da desconexão. Até!
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